Ruído e sinal

Esta semana decidi mudar a forma como escuto música.

Ao conduzir, em vez de suportar meia hora de rádio, ouvi metade de um álbum dos Dire Straits. Em vez de almoçarmos ao som da Sic Notícias, escutámos um dos Madredeus. Ontem, ao conduzir para a Póvoa, revivemos o Pulp Fiction através da sua incrível banda sonora, polvilhada com excertos de diálogos do filme.

Pink Floyd, Simon & Garfunkel, Supertramp… foi um mero incremento na minha semana, mas que já me enriqueceu um pouco. Eu e a Mari partilhámos, revivemos, conversámos, desfrutámos. Com meia dúzia de decisões muito simples, criei mais oportunidades de deslumbramento, descoberta e recordação: retirei ruído e introduzi sinal.

As pessoas geralmente referem-se ao analógico e ao digital como antagónicos e representativos de duas formas substancialmente diferentes de ouvir música. Eu prefiro ver a divisão maior entre o intencional e o não intencional.

O intencional requer uma decisão, como “Quero ouvir um álbum dos Beatles”. Do lado do intencional temos todo o tipo de suportes: álbuns em vinil, CD, cassete, fita, ficheiros em disco rígido, e mesmo o catálogo de música de plataformas de streaming e lojas de música digital.

O não-intencional usa os automatismos. “Quero ouvir uma playlist genérica enquanto trabalho.” Aqui temos os sistemas de recomendações, onde há uma preocupação em servir conteúdo para rentabilizar a publicidade ou a subscrição. O sistema é optimizado para maximizar o tempo da sessão do utilizador, independentemente da qualidade da música ou do vídeo: o que conta são minutos reproduzidos.

Não vou abdicar das conveniências sobre-humanas do digital, mas vou procurar ser mais intencional naquilo que consumo, e não me deixar levar pela corrente dos algoritmos. Quero escolher música como se fosse um livro para ler, uma ida ao cinema ou um espectáculo de teatro: permitir-me à descoberta e ao engano.

Deixar um comentário