Sopa de letras

Hoje fui à natação. Ao afundar-me na água amena, o corpo respirou de alívio. Deixei-me ali pairar, indefinidamente, protelando os crawls, os bruços e as costas. Por breves momentos, nada nadei.

Os dias estão tórridos, mas pela casa também há pouco refúgio. Os esquemas de ventoinhas e correntes de ar só nos ajudam até certo ponto. As galinhas passeiam-se de bico aberto. O computador parece que vai levantar voo, tal é a ânsia de se refrescar. Ontem quis escrever um texto e nem conseguia concentrar-me: as palavras borbulhavam no caldo do cérebro, como numa sopa de letras.

Só me vinham à cabeça as águas da praia da Póvoa, e no quanto me apetecia dar um mergulho e sentir aquela chapada de vida. Por falar nisso: este sábado esteve bom tempo por lá.

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A ordem da bicada

Antes de mais, devo a esta página um pedido de desculpas pelo meu atraso — atropelada pela confusão dos trabalhos, a partilha desta segunda-feira fugiu-me da mão, mas eis-me rejuvenescido e cafeinado, prontíssimo para consertar a omissão.

Nauta dos vídeos, eis-me novamente em terra firme! Para mim e para a Mari foram duas semanas de viagem, e já sentíamos saudades das nossas penudas e das suas galinhodinâmicas. E porque já passou algum tempo desde que vos macei a escrever sobre elas, trago novas sobre a Guerra dos Tronos da Capoeira.

Tudo corria bem no nosso quintal, até há uns meses a poedeira cinzenta (a líder) começar a ter o papo muito inchado. Depois de nos informarmos, começámos a dar-lhe um antifúngico e a isolá-la pontualmente, a massajar-lhe o papo e depositar um antibiótico pela água. O problema aparentemente resolveu-se, o papo esvaziou, e ela voltou à sua actividade normal.

(Tudo isto, segundo uma senhora que vende galinhas no mercado de Matosinhos, podia ser resolvido em segundos com um cortar do pescoço).

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Dia de sol

Onde estavas, sol? Esperámos por ti durante meses e meses. “Mais vale tarde que nunca”? Não. Há um momento em que é demasiado tarde. Precisámos do teu conforto e não estavas lá.

Estou zangado e triste, mas isso não me serve de nada. Sou apenas mais uma voz no coro dos indignados. Depois de uma campanha patética, ontem fomos a eleições legislativas, e o resultado foi um desastre. O nosso sistema político resvala para o mesmo ódio, o mesmo racismo, a mesma ignorância que tantos outros países. O cancro da extrema direita é organizado, ruidoso, e metastatiza-se por todo o lado. Entretanto, o mundo é uma ferida aberta para a qual a multidão cospe.

Por isso tudo, e mais: põe-te à vontade, sol. Bebe uma mini. Nós vamos estar no escritório. As galinhas vão estar pelo quintal.

Não fales comigo. Agora que finalmente chegaste: o mal está feito. Não queremos o teu calor, as tuas sombras, as tuas cores, a ligeireza que trazes aos dias. Só queremos pôr as mãos ao trabalho e esquecermo-nos de que existes.

Hoje não consigo ser optimista. Amanhã, talvez.