Já escrevi aqui umas trinta vezes que não me cesso de pasmar com a capacidade dos filmes nos fazerem viajar no tempo. Digo isso a propósito do documentário Elis e Tom, Só Tinha de Ser com Você (2023) — que nos mostra o processo da Elis Regina e o Tom Jobim na criação do seu álbum conjunto, em Los Angeles no ano de 1974.
Quanta magia existe em testemunhar a criação daquele disco! Ver o contacto entre dois artistas gigantes que ultrapassaram os seus atritos, encontraram o seu equilíbrio, e desbravaram caminho num álbum que tocou gerações. Adoro ver este tipo de documentários, como o Get Back (2021) dos Beatles — uma janela para o seu processo, o seu método, a sua vida. Pela forma imersiva como foi filmado e editado, para mim tornou-se mais que um simples documentário: é uma janela para aquele momento.
Nem de propósito, durante estas semanas estive a filmar e a fotografar o Making Of de uma publicidade. O meu trabalho é registar o processo: ser parte integrante, mas com um olhar externo sobre a equipa. Eventualmente o trabalho final estará disponível e eu já poderei partilhar mais sobre ele.
No acto de partilhar o Making Of ajudo a definir os moldes em que se estabeleceu aquele projecto. Quando foi produzido? Com quem foi filmado? Como foi filmado? Qual era o ambiente da equipa? O que correu bem, e o que correu menos bem? Contar a história da criação do anúncio ajuda a defini-lo no tempo, como quem passa os limites de um desenho a tinta-da-china.
Nisto, pensei no quanto o meu próprio Making Of me ajudaria a definir nesta fase amorfa e transitória.
Na sexta-feira tive a oportunidade de ir tomar um fino com um amigo de longa data e pôr a conversa em dia. Aquilo que me faltou durante estas semanas, um olhar de fora, pôde resolver-se entre algumas cervejas junto à feira de Vila do Conde. É certo que eu e a Mari falamos todos os dias, aberta e profundamente — mas tornámo-nos numa unidade própria; próximos entre nós, mas menos ligados ao restante mundo.
Falei ao meu amigo de como, num mundo tão ruidoso e cheio de dor, nos afectámos tanto com a perda de uma galinha. Ele assegurou-me que era normal — a perda de um animal de estimação dói sempre. Por mais que eu pensasse isso, e a Mari concordasse comigo, é um alívio ouvi-lo de outra pessoa.
Entre ansiedades, processos, dúvidas e constatações, a conversa fluiu, não obstante lhe ter falado no quão desajeitado me sinto a falar com pessoas. Com este blog tenho ganho treino nos dedos, mas a distância tem-me fragilizado a escuta activa, já frágil de início. Tivesse orçamento para isso e continuaria as minhas consultas de psicologia, que foram tão imprescindíveis para ultrapassar a nuvem negra que vivi no Porto.
Hoje o céu está límpido e o dia luminoso, mas a vida sussurra-me ao ouvido: tudo é fugaz, tudo é transitório. Ninguém sabe por onde pairam as janelas do futuro.