A vida a cores

Dou por mim assombrado pela capacidade que as cassetes têm de nos fazer viajar no tempo. Que dádiva esta, a de voar para os lugares que eu conheço, populados com versões mais novas dos seus habitantes e de tudo o que os rodeia.

São versões mais ágeis, mais risonhas, mais inocentes de todo um mundo; réplicas de tantos adultos de hoje em bebés de outrora, cujos frágeis inspirares e expirares (prova de uma ténue existência!) ficaram para sempre registados pelo microfone da câmara do meu pai. Naquele momento, em que a criatura eleva o olhar para um borrão que reconhece, existe toda uma vida em potência — desconhecida ao bebé em si, mas patente no olhar sonhador dos pais.

Penso muito na fragilidade dos bebés e dos idosos quando reproduzo os vídeos de família. Vejo bebés a existir num mundo que se abre para eles e os convida de braços abertos e sorrisos, ao lado de idosos que desfrutam do seu dia, contam as suas histórias, felizes por estarem com os familiares.

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Meu velho, aguenta

Revisitei algumas cassetes de Video 8 (Hi8) da coleção do meu pai. Este conjunto específico de cassetes, filmadas por uma guerreira Sony Handycam CCD-F335E de 1990, consiste em:

  • 17 cassetes assinadas pelo meu pai que vão desde 1990 até 2002;
  • 4 com o meu nome, de 2001 até 2006;
  • 1 cassete pela minha mãe;
  • 4 cassetes pelo meu tio João, entre 1990 e 1993.

Estas dezenas de horas em banda magnética, que compreendem quase 20 anos de nascimentos, infâncias, casamentos e de tantos outros momentos importantes do nosso núcleo familiar, são evidentemente de um valor inestimável. De quando em quando, volto a mergulhar nestes vídeos e a redescobrir coisas antigas à luz do presente.

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Domingo de Páscoa

A primeira cafeteira borbulhou logo pela manhã. Duas fatias de pão afundaram na torradeira, dourando no tempo que levou ao comedouro do cão para se encher e esvaziar. Uma chama aqueceu o ar entre as pedras da cozinha antiga. Abriram-se as portas do armário da sala, banhando de luz as louças de festa. Um a um, os pratos do serviço alinharam-se na mesa, quais casas delimitadas por cercas de talheres. Quando o forno ligou a luz, choveu sal sobre a travessa das batatas. Pela casa viajaram porções de vinho em veículos de vidro.

A segunda cafeteira borbulhou uma hora depois da primeira. Quando um sino perambulante se ouviu pela vizinhança, formou-se um montículo de pétalas de rosa em frente ao portão. O sino foi tocando mais e mais perto, até que cruzou aquele mesmo portão, ladeado de uma cruz e água benta. O piano e o saxofone harmonizaram a mesma música várias vezes consecutivas. Não relacionado, um buzinar de fora chamou a atenção para a chegada de um carro. Abriu-se o portão, e a trela do cão tornou-se uma linha recta, apontando à suas portas. Pelas escadas, subiram caixas de cartão com bolos e comidas; bolsas e casacos taparam bancos e cadeiras. A trela enrijeceu novamente, apontando para novos carros, e depois voltou a deitar-se no chão, pacífica como um cordeiro.

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A ida à Expo’98

Há algumas exposições mundiais que me vão surgindo através das leituras e filmes, de momentos históricos ou de fascínio por parte dos autores.

O livro Empires of Light, sobre a batalha entre a corrente alternada e directa (que agora pode ser vista num filme muito bom, chamado “A Batalha das Correntes”) culmina num evento épico: a feira mundial de Chicago, que teve lugar em 1893 e celebrou o 400º aniversário da chegada de Colombo às Américas. Entre inúmeras exposições de diferentes países a celebrar os avanços da tecnologia, figurava a roda-gigante original (a Ferris Wheel) e a revolucionária tecnologia da luz eléctrica em larga escala. 100 mil lâmpadas incandescentes iluminavam os seus edifícios e acessos, numa prova da capacidade da corrente alternada e do progresso da técnica.

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